
Larissa Oliva
Médica, com título de especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas, Larissa Oliva, formada pela Faculdade de Medicina de Santos em 1999, especialista em Infectologia pelo Hospital Emílio Ribas em 2003. Atuou como Palestrante nos temas de Infecção Relacionada aos Serviços de Saúde; AIDS; Temas em Infectologia Mais Prevalentes na prática pericial.
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Por que os casos de febre amarela aumentaram tanto nos últimos anos?
Na verdade, a febre amarela, assim como várias doenças infectocontagiosas sempre teve um comportamento que a gente chama de sazonal. Isso era comportamento bem típico da febre amarela, o que significa que a cada determinado período de tempo a doença cresce e o número de casos também. Após esse pico, a doença ia diminuir nas regiões que ela estava confinada. Isso acontece por causa da própria característica da doença. A própria doença vai se auto regulando, quanto mais pessoas infectadas, maior o número de pessoas naturalmente imunizadas. No entanto, desde o ano 2000 a doença vem mudando de características e não se sabe bem porquê. Existem várias teorias para explicar o porquê, porem nenhuma delas é considerada certa.
O que mudou na doença?
A doença teve algumas alterações. Ela entrou para o litoral do país e agora, na verdade, ela está bem mais distribuída, tanto que ela chegou a São Paulo. A febre amarela ainda não é urbana e não está sendo transmitida dentro dos centros urbanos, mas ela está muito próxima da cidade. Desde o ano 2000, não se sabe o que está acontecendo e o porquê da sua mudança de comportamento.
Com essa mudança nas características da doença, com o aumento de casos, qual a importância da vacinação?
A vacina é extremamente importante. Na verdade, a vacina é a única forma efetiva de prevenção. Nós temos outras formas de prevenção, como a prevenção com repelentes, evitar a exposição nos momentos com maior chance de ser picado pelo mosquito e evitar manter seus criadouros naturais em nossas casas (locais com água parada). No entanto, essas são medidas acessórias, pois a forma efetiva é a vacina. Logo, ela é 100% recomendada.
Existe um movimento Mundial contra a vacinação, o que você acha disso?
Esse movimento é péssimo no ponto de vista da saúde coletiva. A vacina e os antibióticos foram as duas coisas que deram maior impacto na erradicação das doenças. A vacina é uma intervenção que conseguiu erradicar uma doença é diferente de outros tratamentos, você não tem um tratamento que erradica uma doença tanto quanto a vacina. Ao contrário da vacina, existe, por exemplo, tratamento de Câncer, que desde 1940 não evoluiu nada. Para muitas doenças ainda não existe um meio de erradicação. A descoberta dos anticorpos possibilitou que fosse desenvolvida uma maneira quase 100% eficaz de se proteger de uma doença. Na medicina, a única coisa que realmente acaba com uma doença é a vacina.
Qual o impacto da campanha contra a vacina na erradicação das doenças?
A campanha contra a vacina acaba com isso (erradicar uma doença), pois a partir do momento em que uma mãe resolve não vacinar seu filho, ele se torna suscetível e conforme parte da população adere a essa atitude, é criada na população um número de suscetíveis a doença. Isso significa que o patógeno (vírus ou bactéria) consegue ambiente para circular e se multiplicar, criando dessa maneira um ambiente para o retorno de doenças consideradas extintas. É o que está acontecendo com o Sarampo.
Agora em relação às DST’s. Uma pesquisa do Ministério da Saúde mostrou que 9 em cada 10 jovens de 15 a 19 anos sabem que usar camisinha é o melhor jeito de evitar HIV, mas mesmo assim, 6 em cada 10 destes adolescentes não usaram preservativo em alguma relação sexual no último ano. O que você acha disso?
Eu acho que o fato do jovem hoje não usar camisinha tem um fator principal. Esse fator é que o jovem hoje vive uma realidade um pouco diferente da AIDS, pois eles não vivenciaram a explosão da doença. Dentre as DST’s, a AIDS é a principal, ninguém tem medo de morrer sífilis, de gonorreia e nunca teve. A penicilina e os antibióticos sempre tratavam essas doenças, porém as doenças estão mudando e se tornando mais resistentes. Quando apareceu o HIV, as gerações que viveram o vírus ficaram muito impactadas. Para os jovens agora não têm impacto, eles têm a falsa impressão que a AIDS é uma doença completamente controlável. E isso diminuiu o uso da camisinha. Mas na realidade, você vai viver tomando remédios com inúmeros efeitos colaterais e lutando contra o estigma social eterno que a AIDS tem.
Essa atitude pode contribuir para o não controle da epidemia de AIDS?
No Brasil existem dados mais recentes mostrando o crescimento do número da infecção entre adolescentes e jovens. Isso com certeza está relacionado ao não uso de preservativos. Isso contribui para o crescimento da epidemia. O tratamento maciço sempre funcionou, quando você trata a população você diminui a quantidade de vírus no sangue. Quando você diminui a quantidade de vírus você diminui as chances de transmissão do HIV e isso é muito importante para você poder controlar a epidemia.
Dados do Ministério da Saúde revelam números preocupantes, em 2010 foram notificados 1.249 casos de sífilis adquirida, a que se pega através da relação sexual sem camisinha. Em 2015, apenas cinco anos depois, esses números saltaram para 65.878, um aumento de mais de 5.000%. Devemos nos preocupar com a ascendência dessa doença considerada antiga?
Esse aumento não é só no Brasil, mas também no mundo. Então é sim preocupante.
A que você atribuiu este aumento alarmante na incidência da Sífilis?
A sífilis é uma DST, então o não uso dos preservativos é um dos fatores para esse aumento. Outro fator é o fato de o principal medicamento que trata a sífilis ser a penicilina, que por muito tempo foi o antibiótico usado para tratar muitas doenças e muitas infecções. Isso indiretamente tratava vários casos de sífilis o que fez com que em determinado período, grande parte da população não portasse a doença. Como as doenças evoluem, depois de um tempo elas começaram a ficar resistentes a penicilina. O excessivo uso também causou reações alérgicas a penicilina. Com isso, os médicos passaram a usar menos esse medicamento e a doença parou de ser tratada e voltou a se desenvolver no Brasil.
Você acha que as políticas públicas adotadas são eficazes para combater e prevenir as doenças infectocontagiosas em geral?
Na questão do HIV foi uma política de bastante sucesso nosso país. No entanto, pensando em políticas públicas para essas doenças novas, como Zika, Chikungunya e mesmo a febre amarela as políticas não funcionam direito.
Porque as políticas públicas não são eficientes?
Essas doenças consideradas novas são doenças dependentes dos seus vetores, os mosquitos, portanto elas dependem de uma ação mais ampla, que é o controle do vetor, e isso depende de muita coisa. Depende de saneamento básico, depende de não jogar lixo na rua e também de se blindar contra os mosquitos. Isto está extremamente falho e longe da gente ter uma solução. Essas doenças acometem um grande número da população. A população tem muito pouco com que se proteger e o uso excessivo do repelente não é tão eficaz. Então, na verdade, era necessário um movimento para limpar as ruas, para evitar a proliferação dos vetores.