
Gabriel Estrela
Publicitário e fundador do projeto Boa Sorte, Gabriel de 23 anos, nascido em Goiânia, Goias, mostra em seu canal do youtube um pouco de como é sua vida sendo portador do vírus HIV através de arte, informação e entretenimento.
Como foi receber a notícia aos 18 anos?
18 anos era uma idade que eu estava começando a vida adulta. Então na minha cabeça tinha muitas expectativas, planos, eu sempre fui um adolescente muito precoce, sabe, de passar os recreios da escola na biblioteca. Tipo no último dia de aula do terceiro ano, todos os formandos se rebelaram e fizeram uma baderna na escola e eu fiquei com os professores e com o coordenador fazendo cordão de isolamento. Sempre fui muito assim de ser meio precoce, então fazer 18 anos para mim significava entrar nessa vida adulta que eu sempre vivi. E aí, senti uma necessidade de segurar isso um pouco para dar um passo para trás e repensar um pouco o que seria dessas minhas expectativas, desses meus planos nessa nova realidade. Depois de um tempo (de um bom tempo na verdade), eu percebi que tudo poderia se manter como estava. Mas na época não me parecia assim então eu mudei bastante minha vida: eu estava na faculdade de comunicação, abandonei e fui para biomedicina porque achava que isso fazia sentido na época, comecei a fazer teatro. Eu senti uma necessidade de mudar tudo e demorou muito para minha vida se acalmar de novo e as coisas se alinharem e entrarem no eixo. Eu sou uma pessoa muito dispersa, muito multifocal assim, mas na época tinha uma agitação. Não uma vontade de fazer muita coisa, mas uma inquietude, parecia que eu não poderia estar em lugar nenhum, que eu tinha que compensar por um tempo, o tempo que eu ia perder entendeu? Foi uma pressão muito grande, além do que eu fiquei desestabilizado pela notícia, eu criei essa pressão como se eu tivesse que compensar alguma coisa. Hoje eu percebo que era besteira da minha cabeça, era estigma, medo, que não precisava ser assim. Não precisava mudar nada que eu estava fazendo naquele momento né, não por isso. Eu precisei mudar por causa do choque, mas poderia ter sido diferente.
Como foi o processo de aceitação, lidar com as pessoas ao seu redor com relação a isso etc?
O processo de começar a lidar com isso tem muito a ver com a minha família. A família está muito próxima e assumiu muito a responsabilidade no início do meu tratamento, ir atrás de médico e tudo isso me ajudou muito. Eu tive muito tempo e um espaço muito seguro para processar o que estava acontecendo comigo, eu não tive pressão ou discriminação que fizessem com que eu digerisse esse meu processo de alguma forma. Eu fui no meu ritmo, entendendo aos pouquinhos o que isso significava e o que significava para mim até chegar no lugar que eu estou hoje. Hoje significa para mim trabalho, uma oportunidade de fazer bem para os outros. Mas até aí foi um caminho de 5 anos para eu começar a entender isso como essa oportunidade e aí já vem mais 3 anos até agora que estamos conversando. Então são 8 anos de processo, mas na verdade é um processo que ainda não acabou, porque a vida é assim e nunca vai acabar ne. Eu acho que eu vou morrer e esse processo não vai ter acabado porque faz parte de quem eu sou, da minha vivencia e para mim é uma parte muito importante e está sempre na equação da minha vida, porque eu escolhi colocar isso como uma equação.
Como isso interfere, hoje em dia, na sua vida?
A minha escolha foi transformar isso em foco da minha vida, tudo gira em torno disso. Ninguém precisa passar a 24h por dia pensando em HIV, pensando em saúde, pensando em remédio e pensando nos outros com relação a isso, mas eu escolhi fazer isso e escolhi fazer isso de forma que eu me sentisse completo, feliz e ajudando as pessoas. As vezes cansa, como todo trabalho cansa e como nós as vezes cansamos de características nossas, mas aí respira, vai dormir e no dia seguinte as coisas se renovam.
Como é, para você, promover o tema, ainda visto como um tabu? O quão importante é promover esse tema?
Eu me sinto muito privilegiado de disparar esse diálogo como eu disparo e de onde eu disparo, sou muito privilegiado de estar conseguindo alcançar os espaços que eu alcanço. Tem muito a ver com um contexto da minha vida desde a minha criação, a educação e tudo que eu tive acesso foi me formando a pessoa que eu sou hoje e que me permite ser muito brando, paciente, didático e isso facilita muito porque para muita gente o sofrimento é grande demais e elas tem que gritar e gritar mesmo. Na verdade, nós que precisamos aprender que quando alguém grita, ela não quer agredir a gente, mas ela realmente precisa ser ouvida e nós precisamos escutar. Eu tive a sorte de hoje não sentir mais a necessidade de gritar, porque eu sou ouvido e isso tem a ver em parte com meu carisma, o dom com a comunicação, mas também tem muito a ver com o contexto no qual estou inserido e sempre estive inserido nesse diálogo. Então, logo no começo estando no canal da Jout Jout, que é uma youtuber supervalorizada, ter entrevista no roof poosh, usar uma linguagem simples, mas que também se aproxima da norma padrão foram uma série de questões que me fizeram alcançar muitos lugares, muitos lugares que muitas vezes as pessoas não alcançam então eu tenho uma oportunidade muito grande de representar grupos com os quais eu nem sempre me identifico, mas que mesmo assim, mesmo que não se identifiquem comigo eu estou aqui. Muito trabalho, muito trabalho mesmo.
Mesmo em uma era em que a informação chega a todo vapor, a porcentagem de doenças sexualmente transmissíveis aumentou. Só de HIV, houve aumento principalmente entre os mais jovens. Na faixa etária dos 20 aos 24 anos, a taxa subiu bastante. Como você vê isso? Você acha que isso está ligado com a falta de preocupação por parte das pessoas em abordar o tema?
Primeiro que a gente tem que entender que a informação chegar a todo vapor não significa que essa informação esteja sendo aproveitada para processos educacionais responsáveis e contínuos, tem muita informação mas tem muita gente ignorando informação. A gente tem por exemplo a Revista Época que recebeu artigos científicos e simplesmente ignorou as evidências científicas que ela recebeu e publicou questões que vinham do ponto de vista do achismo da revista e que não correspondiam a verdade de fato. Então informação por si só não é suficiente, então as pessoas precisam ter acesso e ter acessibilidade a informação, ainda mais quando estamos falando de saúde. Não adianta por exemplo chegar com um arquivo científico nas pessoas, não é todo mundo que consegue ler isso e entender bem. E sobre falta de preocupação, acho que existe uma preocupação muito mal alocada. Tem-se uma preocupação em mandar as pessoas usarem a camisinha, de assustar jovens e falar para as pessoas não transarem, vigiar o sexo alheio e essa preocupação colocada dessa maneira mais afasta as pessoas da saúde do que aproxima. Ela diz para as pessoas que existe um jeito certo e um errado, que na verdade existe um jeito certo e vários errados de fazer sexo, quando na realidade o que existem são várias experiências, todas válidas e todas carentes do amparo da saúde sexual, então acho que o problema é que ainda estamos – no geral – muito conservadores para a abordagem desse tema de saúde e sobre sexo. Ainda temos muita dificuldade de respeitar a autonomia das pessoas, a escolhas que elas fazem e isso é um impedimento gigantesco. Acho que a vulnerabilidade é que estão submetidos os jovens tem muito mais a ver com a dificuldade deles se sentirem representados nas suas vivências sexuais e amparados numa saúde que ainda é extremamente heteronormativa, cisnormativa e que pensa em sexo como forma de reprodução e não pensa que sexualidade é divertido, prazeroso, que existem várias práticas sexuais além do papai e mamãe e acho que essa abordagem conservadora deixa os jovens mais vulneráveis, mais até do que a preocupação. Porque quando eu chego para conversar com eles eu encontro pessoas extremamente interessadas sabe, então acho que talvez a gente que não esteja sabendo como chegar neles e não eles que não estão querendo falar sobre isso.
Você diria que as DSTs ou o próprio HIV são mais tabu do que o sexo em si para os jovens?
Olha, acho que sim porque a gente ainda associa muito as ISTs – termo usado para abordar e entender que nem todas são doenças, nem todas são sintomas – acho que quando a gente fala disso se associa muito a doença, então as pessoas acham que para falar disso precisa ser pesado, precisa ser asqueroso, assustador e falar de sexo assusta as vezes também e as pessoas colocam muito moralismo. Mas tem a parte do prazer, da conquista, da sensação Por outro lado as DST’s são vistas com esse peso, com esse terrorismo que é o que acontece “se eu me arriscar”, “se tudo der errado”, “se eu cruzar com a pessoa errada” e não é nada disso. A gente falar de IST é falar de carinho, oportunidade, cuidado, de procurar saúde e colocar nossa saúde em estado de equilíbrio e estamos falando de uma conexão que vai além só da pratica sexual e tudo isso assusta também né, falar que sexo é intimidade.